Cerca de 90% do território do Ceará é coberto pela Caatinga, bioma que enfrenta um grave processo de desertificação no semiárido brasileiro. No entanto, uma pesquisa do Instituto Escolhas, divulgada em janeiro de 2025, aponta que investir na recuperação de áreas de Caatinga em assentamentos rurais no Estado pode ser uma estratégia eficaz para mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
Conforme o estudo, o Ceará possui 415 assentamentos federais, que contam em mais de 69 mil hectares de Áreas de Preservação Permanente (APP) dominadas pela Caatinga. Desses, 15 mil hectares estão desmatados, mas que ainda tem potencial de recuperação.
A pesquisa aponta que a restauração das áreas de Caatinga em assentamentos pode retirar cerca de 2,49 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera. O estudo cruzou dados de bancos oficiais e estudos científicos, analisando os assentamentos, déficits de vegetação, potencial de recuperação das áreas e estimativas de custos e benefícios.
“Isso é extremamente importante para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, já que o excesso de carbono na atmosfera é uma das principais causas dessas alterações, que inclui a desertificação de um bioma”, explica Rafael Giovanelli, gerente de projetos do Instituto Escolhas.
A desertificação é um processo causado por fatores físicos e humanos que ocorrem de forma articulada, em função do aumento da temperatura e do número crescente de secas.
“Aliado a isso, temos o uso degradante da terra, como desmatamento. Esses fatores, em conjunto, contribuem para o agravamento da desertificação”, explica o Flávio Nascimento, professor de Geografia na Universidade Federal do Ceará (UFC) e um dos delegados do Brasil na COP16 de Desertificação.
Para burlar o cenário, o Instituto Escolhas aponta que o uso da técnica de sistemas agroflorestais (SAFs) em áreas de assentamentos no Ceará pode ser eficaz para a recuperação de áreas degradadas. A estratégia usa práticas agrícolas que combinam a produção de alimentos com o cultivo de árvores e vegetação nativa.
“Esses sistemas buscam replicar a estrutura e o funcionamento das condições naturais dos ecossistemas, ou seja, tentam imitar o mais fielmente possível a funcionalidade dos ecossistemas, promovendo a interação entre as culturas agrícolas e vegetais”, explica Flávio Nascimento.
Além disso, SAFs são localizados às margens dos rios. Dessa forma, ajudam a proteger os cursos d'água, prevenindo erosão e favorecendo o armazenamento de água no solo. Isso é essencial em regiões como a Caatinga, que enfrentam escassez hídrica e desertificação.
Entre as espécies sugeridas pela pesquisa, destacam-se o babaçu, bacuri, araticum, marolo, baru, buriti, cagarita, caju, guariroba, macaúba, mangaba, murici, pequi, cajá, pimenta rosa, graviola, manga, acerola, abacate, goiaba, umbu, cacau, café, coco, limão Taiti, banana nanica, banana prata, banana da terra, mandioca, jerimum, milho (grãos secos e verdes) e feijão.
Apesar de ajudar a combater a desertificação, a doutora em Ecologia Vegetal e professora do Departamento de Biologia da UFC, Francisca Araujo, explica que os SAFs ainda não devem substituir o reflorestamento de áreas de proteção permanente e nem de reserva legal.
“Tendo em vista o estado atual do desmatamento na Caatinga e o pequeno tamanho das unidades de conservação de proteção integral atualmente existentes, estes SAFs não devem ser implementados em substituição à restauração da vegetação nativa em áreas de reservas legais e ou de áreas de preservação permanentes”, explica.
De acordo com o Instituto Escolhas, a restauração produtiva de 15 mil hectares de Áreas de Preservação Permanente (APPs) exigiria um investimento de R$ 317 milhões nos primeiros três anos e 1,33 bilhões ao longo de 30 anos de execução. A receita projetada, contudo, é de R$ 3,78 bilhões, cerca de 2,8 vezes o valor investido.
Rafael Giovanelli, gerente de pesquisa do Instituto Escolhas, aponta que investimentos oriundos do Banco do Nordeste (BNB), que tem foco no desenvolvimento regional, se encaixaria na proposta.
Benefícios econômicos e sociais
Além da recuperação do bioma, o investimento em sistemas agroflorestais (SAFs) em áreas degradadas de assentamentos rurais auxiliaria a produzir 3,66 milhões de toneladas de alimentos e gerar 66,4 mil empregos no Ceará.
Já em todo o Brasil, é possível recuperar 1 milhão de hectares, gerando 238 mil empregos e 43 milhões de toneladas de alimentos.
“Os mercados locais teriam mais produtos, com maior qualidade e menos uso de defensivos químicos. Ajudaria a evitar a migração forçada das famílias. Além disso, haveria a criação de infraestrutura, como fábricas de beneficiamento, para a produção de polpas, castanhas, doces e outros produtos, ampliando as oportunidades econômicas na região”, ainda ressalta o professor da UFC, Flávio Nascimento.
“Em 2025, o BNB planeja destinar R$ 100 milhões para a Caatinga. Como o projeto prevê um custo de R$ 317 milhões nos três primeiros anos, isso equivale a uma média de R$ 100 milhões por ano, valor que está alinhado ao orçamento do Banco do Nordeste”, disse.
Ao O POVO, o BNB, por meio do superintendente de Políticas de Desenvolvimento do Banco do Nordeste, Rubens Soares, afirmou que "o Conselho Deliberativo da Sudene aprovou, em dezembro de 2024, a proposta apresentada pelo Banco do Nordeste (BNB) para o direcionamento de, no mínimo, R$ 100 milhões dos recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE) para o ano de 2025. Esses recursos serão destinados a operações de crédito rural voltadas para a conservação e proteção do meio ambiente, recuperação de áreas degradadas ou alteradas, e o fomento a atividades sustentáveis na área de atuação do banco, que abrange a Região Nordeste e parte dos estados de Minas Gerais (MG) e Espírito Santo (ES)".
O superintendente acrescenta que "esse valor de R$ 100 milhões é uma referência inicial, podendo ser ajustado e, até mesmo, ampliado, conforme a demanda por projetos relacionados a essas iniciativas. Este montante representa um incremento significativo em relação ao exercício anterior, praticamente triplicando o valor alocado".
o Povo
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