Brasil: O Paradoxo do Ensino Jurídico – Quantidade versus Qualidade

 

                        

                                                         foto Flávio Pinto


 O Brasil é um caso único no mundo quando o assunto é a formação de bacharéis em

Direito. Enquanto o resto do planeta soma cerca de 1.100 faculdades de Direito, o país

sozinho abriga 1.240 instituições que oferecem o curso. Esse cenário faz do Brasil um

verdadeiro "complexo industrial" de formação jurídica, mas também revela uma série de

problemas estruturais que impactam a qualidade do ensino, a atuação profissional e,

principalmente, o acesso à Justiça pela população.


Os números que assustam.


 4 milhões de bacharéis em Direito: Esse número colossal representa

aproximadamente 2% da população brasileira, uma proporção que não encontra

paralelo em nenhum outro país.

 1,4 milhão de advogados: Desses bacharéis, mais de um milhão estão inscritos na

Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o que coloca o Brasil entre os países com

mais advogados por habitante no mundo.

 Concorrência desenfreada: A saturação do mercado jurídico resulta em uma

competição acirrada, com muitos profissionais subempregados ou atuando de

forma precarizada.


A Defasagem Curricular e as Cadeiras Tradicionais.


Um dos maiores problemas do ensino jurídico no Brasil é a defasagem curricular. Muitas

faculdades ainda mantêm grades curriculares ultrapassadas, focadas em disciplinas

tradicionais que não dialogam com as demandas e os problemas atuais da sociedade.

Enquanto o mundo enfrenta desafios como a transformação digital, as mudanças

climáticas, a proteção de dados, a diversidade e inclusão, e a reforma do sistema de

Justiça, muitas faculdades de Direito continuam presas a um modelo de ensino que

prioriza a memorização de códigos e leis, sem estimular o pensamento crítico ou a

resolução de problemas reais das novas demandas.


As Necessidades da Sociedade Ignoradas.


O Direito é uma ciência social aplicada, e sua função principal é servir à sociedade. No

entanto, a formação dos bacharéis no Brasil muitas vezes não os prepara para lidar com

questões urgentes, como:


 Acesso à Justiça: A população carente ainda enfrenta enormes dificuldades para ter

seus direitos garantidos, e muitos advogados não estão preparados para atuar

nesse contexto.

 Tecnologia e Direito Digital: A revolução tecnológica exige profissionais capacitados

para lidar com temas como inteligência artificial, criptomoedas, crimes cibernéticos

e proteção de dados, mas essas disciplinas ainda são raras nas grades curriculares.

 Sustentabilidade e Direito Ambiental: Em um mundo cada vez mais preocupado

com as mudanças climáticas, o Direito Ambiental ainda é tratado como uma

disciplina secundária na maioria das faculdades.

 Direitos Humanos e Diversidade: Questões como igualdade de gênero, direitos

LGBTQIA+, combate ao racismo e inclusão social são urgentes, mas muitas vezes

negligenciadas no ensino jurídico.


O Prejuízo para o Jurisdicionado.


A má qualidade do ensino jurídico e a defasagem curricular têm impactos diretos na

sociedade, especialmente no jurisdicionado – aqueles que buscam o sistema de Justiça

para resolver seus conflitos. Entre os principais problemas estão:

 Serviços jurídicos de baixa qualidade: Profissionais mal formados podem cometer

erros graves, prejudicando os interesses de seus clientes.

 Superlotação do Judiciário: A falta de preparo dos advogados contribui para o

aumento de processos mal fundamentados, agravando a morosidade da Justiça.

 Desvalorização da profissão: A concorrência excessiva e a precarização dos

honorários resultam em serviços jurídicos de baixo custo e, consequentemente, de

baixa qualidade.


Caminhos para a Transformação.


Para reverter esse cenário, é fundamental:

1. Reformular as grades curriculares: As faculdades de Direito precisam incluir

disciplinas que dialoguem com as demandas atuais da sociedade, como Direito

Digital, Ambiental, Internacional e Direitos Humanos.

2. Fortalecer o Exame da OAB: O exame da Ordem deve ser mantido como um filtro

essencial para garantir a qualidade mínima dos profissionais que ingressam no

mercado.

3. Investir na formação continuada: Advogados e bacharéis devem ser incentivados a

buscar especializações e atualizações constantes.

4. Regular a abertura de novas faculdades: O Ministério da Educação (MEC) precisa

adotar critérios mais rigorosos para autorizar o funcionamento de novos cursos de

Direito.


Conclusão.


O Brasil é, de fato, o maior complexo industrial de formação de bacharéis em Direito do

mundo. No entanto, essa posição não é motivo de orgulho, mas sim de reflexão.

Enquanto a quantidade de faculdades e profissionais continuar a crescer sem um

compromisso real com a qualidade e a relevância do ensino, a sociedade será a maior

prejudicada. É hora de repensar o Direito no Brasil, transformando-o em uma

ferramenta efetiva de justiça, inclusão e transformação social.

O Direito que o Brasil precisa é aquele que serve à sociedade, não apenas aos

interesses de um mercado saturado e desregulado.

Brasil, é hora de repensar o Direito.

                              Dr. Francisco Leopoldo Martins Filho  Advogado 

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